A Complexidade de Estruturar Redes Assistenciais na Saúde Suplementar Brasileira.
- Editorial Saúde Global
- 13 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 18 de nov. de 2024
Por: Éverton Silvã
Enfermeiro Sanitarista e Auditor em saúde
A formatação de redes assistenciais para a saúde suplementar no Brasil envolve desafios significativos, muitos deles enraizados nas particularidades dos principais agentes que compõem o setor: prestadores de serviço, operadoras de saúde e o sistema regulatório. Neste artigo, analiso os pontos críticos de cada um desses três setores e apresento propostas que poderiam promover avanços na direção de uma saúde suplementar mais eficiente e integrada.
1. Prestadores de Serviços: O Peso dos Modelos de Negócio Tradicionais
Os prestadores de serviços de saúde, incluindo hospitais, clínicas e laboratórios, são pilares fundamentais da rede assistencial. No entanto, muitos operam com modelos de negócios que priorizam a remuneração por procedimento, desestimulando o enfoque preventivo e gerando, em alguns casos, um ciclo de incentivos desalinhado. Esse modelo tradicional de pagamento por serviço dificulta a adoção de práticas baseadas em valor, nas quais a eficiência e os resultados clínicos ganham protagonismo. A resistência à mudança para modelos como o fee-for-value cria uma barreira estrutural significativa, prejudicando o avanço para redes de atenção integral e hierarquizadas, nas quais a prevenção e a continuidade dos cuidados deveriam ser prioridade.
Proposta: Incentivar, por meio de acordos com operadoras, a adoção de contratos baseados em valor, atrelando a remuneração dos prestadores à qualidade dos resultados clínicos e à experiência do paciente. Esse movimento exige um planejamento estratégico, com métricas bem definidas e um processo de transição que alinhe os incentivos para todas as partes.
2. Operadoras de Saúde: A Dificuldade de Atuar em Modelo Sistêmico
As operadoras de planos de saúde, por sua vez, enfrentam o desafio de estruturar redes assistenciais que, além de serem abrangentes e acessíveis, atuem de forma integrada e organizada. No entanto, muitos fatores tornam essa missão complexa, como a fragmentação do sistema e a diversidade de prestadores com práticas heterogêneas. A falta de ferramentas de gestão e de alinhamento com os prestadores limita o potencial das operadoras de implementar uma rede de cuidados estruturada, que ofereça aos beneficiários uma jornada assistencial eficiente e coordenada.
Proposta: Investir em tecnologias de integração e gestão de dados, como prontuários eletrônicos e sistemas de interoperabilidade, é essencial para que as operadoras consigam organizar redes de assistência mais coordenadas. A criação de modelos colaborativos com prestadores de serviços pode ajudar a eliminar a fragmentação e melhorar a experiência do beneficiário.
3. Modelo Regulatório: Limitações e Impacto na Hierarquização dos Cuidados
O sistema regulatório brasileiro tem um papel crucial na saúde suplementar, mas, paradoxalmente, a atual regulamentação pode dificultar a implementação de boas práticas de hierarquização. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) impõe requisitos extensivos e, muitas vezes, rígidos que, apesar de visarem à proteção do consumidor, acabam limitando a flexibilidade das operadoras para inovar na formatação de suas redes assistenciais. Além disso, a falta de incentivos regulatórios para iniciativas de cuidado preventivo e o engessamento dos processos de aprovação dificultam a adaptação das redes às necessidades de saúde da população.
Proposta: Promover uma atualização regulatória que incentive práticas de hierarquização e integração dos serviços de saúde, com uma abordagem regulatória que valorize tanto a segurança do paciente quanto a flexibilidade para a inovação. Estabelecer incentivos para redes que atuam com modelos de atenção primária e medicina preventiva é um caminho essencial para tornar o sistema mais eficiente.
Conclusão: Caminhos para uma Rede Assistencial mais Integrada
Para avançarmos na estruturação de redes assistenciais robustas e de qualidade na saúde suplementar, é necessário um esforço coordenado entre prestadores, operadoras e o próprio sistema regulatório. Ao superar modelos de negócios tradicionais, incentivar práticas sistêmicas nas operadoras e modernizar a regulamentação, poderemos proporcionar uma saúde suplementar mais acessível, eficiente e centrada no paciente. Somente com essa transformação integrada será possível assegurar um futuro promissor para a saúde suplementar no Brasil.
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