top of page

Da Receita Podre à Sustentabilidade: o Triple Bottom Line como rota de transformação da saúde


ree

Por Edivaldo Bazilio

CEO da Saúde Global


A saúde suplementar brasileira iniciou 2025 em ritmo acelerado. Segundo a ANS, o primeiro trimestre trouxe 92,9 bilhões de reais em receitas e 7,1 bilhões de lucro líquido, consolidando 14 bilhões no acumulado de doze meses e reforçando a relevância econômica do setor para o país. Os números à primeira vista indicam força, mas escondem a fragilidade de um setor que opera, em muitos casos,  com sinistralidade superior a 90% e convive com a crescente receita podre, que já representa mais de 80 bilhões de reais anuais em faturamento que não se transforma em caixa devido a glosas, inadimplência e desperdícios de toda ordem. Esse paradoxo revela um sistema robusto em demanda, com mais de 52 milhões de beneficiários ativos, mas extremamente vulnerável na liquidez. Executivos e gestores precisam compreender que insistir em aumentar volume não garante sustentabilidade, visto que o desafio é transformar faturamento em caixa. 


O Triple Bottom Line, conceito de John Elkington, surge como rota estratégica para essa transição ao propor que as organizações sejam medidas pelo impacto gerado em Pessoas, Planeta e Lucro. Aplicado à saúde, ele oferece um caminho para enfrentar desperdícios, alinhar incentivos e consolidar a sustentabilidade do setor.  


No eixo Pessoas, está a necessidade de reduzir falhas assistenciais e valorizar equipes. A OCDE estima que mais de 10% dos gastos hospitalares globais sejam destinados à correção de erros evitáveis. O ProvenCare da Geisinger Health nos Estados Unidos reduziu em 44% as readmissões em 30 dias para cirurgias cardíacas, diminuiu em 26% o tempo médio de internação e economizou 5% nos custos hospitalares ao integrar protocolos clínicos e remuneração baseada em “valor”.


A Cleveland Clinic implantou programas de gestão integrada de doenças crônicas e reduziu reinternações em cerca de 10% em pacientes com insuficiência cardíaca, além de alcançar índices de satisfação superiores a 90%. O NHS inglês, com o programa “Getting It Right First Time”, obteve queda superior a 30% em eventos adversos evitáveis. Esses números mostram que cuidar melhor das pessoas reduz desperdícios, evita glosas e fortalece o fluxo de caixa.


No eixo Planeta, a sustentabilidade ambiental se traduz em eficiência financeira. Hospitais brasileiros produzem, em média,  2,5 quilos de resíduos por leito por dia, e a segregação adequada pode reduzir em até 40% os custos de incineração. A Kaiser Permanente, maior sistema integrado de saúde dos EUA, atingiu neutralidade de carbono em 2020 com investimentos em energia renovável e reciclagem, economizando cerca de 10 milhões de dólares anuais.


ree

O NHS inglês, com o plano “Net Zero”, projeta economias de centenas de milhões de libras até 2030 ao revisar cadeias de suprimentos e eficiência energética. A Cleveland Clinic reduziu em 30% o consumo energético em uma década, acumulando 50 milhões de dólares em economia. Esses exemplos evidenciam que responsabilidade ambiental é também estratégia de gestão e de competitividade. 


Já no eixo Lucro, a oportunidade é migrar de contratos “fee for service” para modelos “fee for value. O fee for service é um modelo que estimula o desperdício e amplia glosas.


Em Estocolmo, artroplastias passaram a ser remuneradas em pacotes por procedimento em 2009, o que reduziu complicações em 18%, reoperações em 23% e revisões de prótese em 19%, além de diminuir em 14% o custo por paciente, economizando cerca de 60 milhões de coroas por ano.

O programa “Comprehensive Care for Joint Replacement” nos EUA reduziu 3,7% nos pagamentos por evento em dois anos, o que equivale a 146 milhões de dólares em economia bruta e 17,4 milhões líquidos após compensações, além de reduzir em 16,8% os custos de cuidados pós-agudos em 90 dias e em 3,9% as readmissões. Esses modelos demonstram que a remuneração baseada em valor orienta o uso mais racional dos recursos, reduz desperdícios e fortalece a sustentabilidade do sistema. 


O caminho para os gestores brasileiros passa por três frentes prioritárias:


  1. A primeira é fortalecer a governança do ciclo de receita, monitorando glosas, prazos médios de recebimento e taxa de contas limpas.


  2. A segunda é avançar na renegociação de contratos para modelos prospectivos baseados em valor, começando por linhas de cuidado de maior impacto.


  3. A terceira é investir em projetos de eficiência clínica, energética e ambiental com retorno rápido.


Cada real gasto de forma responsável deve gerar benefício assistencial mensurável e previsibilidade de caixa. Publicar periodicamente indicadores de sustentabilidade pode reforçar transparência, engajar equipes e melhorar a relação com operadoras e investidores. 

A saúde suplementar brasileira encontra-se diante de uma encruzilhada histórica. Seguir no modelo atual é insistir no “mais do mesmo”, glosas intermináveis e desperdícios que corroem o sistema.

Mas escolher o caminho da transformação significa apostar em uma governança que une eficiência financeira, responsabilidade socioambiental e cuidado centrado nas pessoas. Os exemplos de Estocolmo, Kaiser Permanente, Cleveland Clinic e NHS deixam claro que a sustentabilidade não é utopia, é resultado de gestão corajosa, protocolos bem desenhados e decisões orientadas por valor.


O Brasil tem diante de si a chance de ressignificar seu modelo de saúde suplementar. Cabe aos líderes do setor decidir se serão meros administradores de um modelo colapsado ou protagonistas de uma mudança voltada para o propósito de gerar sustentabilidade para o sistema. Somente a coragem de agir agora permitirá reescrever a história e construir um futuro sustentável. 






Referências Bibliográficas


  1. AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (Brasil). Panorama da Saúde Suplementar – edição nº 9. Rio de Janeiro: ANS, jun. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/ans.  

  2. CLEVELAND CLINIC. Sustainability & Global Citizenship Report. Cleveland: Cleveland Clinic, 2018. Disponível em: https://my.clevelandclinic.org.  

  3. ELKINGTON, John. Cannibals with Forks: the Triple Bottom Line of 21st Century Business. Oxford: Capstone, 1997. 

  4. GEISINGER HEALTH. ProvenCare Program Results. Danville: Geisinger Health, 2017. Disponível em: https://www.geisinger.org.  

  5. KAISER PERMANENTE. Environmental Stewardship: Climate Action and Carbon Neutrality. Oakland: Kaiser Permanente, 2020. Disponível em: https://about.kaiserpermanente.org.  

  6. NATIONAL HEALTH SERVICE (Inglaterra). Delivering a Net Zero National Health Service. London: NHS England, 2020. Disponível em: https://www.england.nhs.uk.  

  7. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Health at a Glance 2021: OECD Indicators. Paris: OECD Publishing, 2021. Disponível em: https://www.oecd.org.  

  8. UNITED STATES. Centers for Medicare and Medicaid Services (CMS). Comprehensive Care for Joint Replacement Model: Performance Year and Evaluation Results. Washington, DC: CMS, 2021. Disponível em: https://www.cms.gov.  




 
 
 

Comentários


ACOMPANHE MAIS EM NOSSAS REDES SOCIAIS 

  • Instagram
  • YouTube
  • LinkedIn
  • Facebook
  • TikTok
Captura de Tela 2024-09-25 às 15.14.58.png
icone telefone
WHATS
icone e-mail

(61) 3245-7407 

(61) 99998-8901


recepcao@saudeglobal.net

Setor de Autarquias Sul Q. 4 Bloco A -
Asa Sul, Brasília - DF, CEP 70070-938
Victoria Office Tower Salas 738 a 742

ICONE LOCAL

© 2024 SAÚDE GLOBAL criado por  VAZK  

bottom of page